terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A arte de fazer arte

Talvez nenhuma obra de arte seja possível sem crença no público - aquela crença que nada tem com fatos e cifras sobre o que as pessoas de fato compram ou gostam, mas que nasce com a absoluta convicção do artista de que só o melhor que pode fazer merece ser oferecido aos outros. É o que faz um diretor insistir numa retomada, mesmo sabendo que vai ser penalizado por isso; é o que faz jovens dançarinos caírem de exaustão; foi o que fez Caruso estourar a garganta. Temos de acreditar na platéia, e acreditar que nosso maior esforço mal nos torna dignos dela. É o que está implícito quando um artista diz que o faz "porque tem de fazer", e mesmo quando diz que o faz "apenas para si mesmo". O sentimento de honra do artista se baseia na honra devida aos outros. Honra nas artes - e no ramo dos espetáculos também - é darmos o máximo, mesmo que a platéia pareça não saber a diferença, mesmo que a platéia dê todos os sinais de preferir uma coisa fácil, barata e sintética. A platéia em que devemos acreditar é a grande platéia: a platéia de que fizemos parte quando crianças, quando começamos a apreciar a grande obra - a platéia da qual ainda fazemos parte. Assim que o artista deixa de se ver como parte da platéia - quando começa a acreditar que o que importa é satisfazer a platéia de basbaques lá fora - deixa de ser um artista. Torna-se um homem de negócios, comerciando um produto - seu talento, ele mesmo.

[Criando Kane e outros ensaios, "Do futuro do cinema" - Pauline Kael]